segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Eu não gosto de você, Papai Noel!

Monólogo do Natal                 
                Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel! 
Também não gosto desse seu papel 
de vender ilusões à burguesia. 
Se os garotos humildes da cidade 
soubessem do seu ódio à humildade, 
jogavam pedra nessa fantasia. 


Você talvez nem se recorde mais. 
Cresci depressa, me tornei rapaz, 
sem esquecer, no entanto, o que passou. 
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente 
e a noite inteira eu esperei, contente. 
Chegou o sol e você não chegou. 


Dias depois, meu pobre pai, cansado, 
trouxe um trenzinho feio, empoeirado, 
que me entregou com certa excitação. 
Fechou os olhos e balbuciou: 
“É pra você, Papai Noel mandou”. 
E se esquivou, contendo a emoção. 


Alegre e inocente nesse caso, 
eu pensei que meu bilhete com atraso, 
chegara às suas mãos, no fim do mês. 

Limpei o trem, dei corda, 
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. 

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade. 
Meu pai chegou um dia e disse, a seco: 
“Onde é que está aquele seu brinquedo? 
Eu vou trocar por outro, na cidade”. 

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar 
um mimo que nos deu, quem nos quer bem, 
disse medroso: “O senhor vai trocar ele? 
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele. 
E por favor, não vá levar meu trem”. 

Meu pai calou-se e pelo rosto veio
descendo um pranto que, eu ainda creio, 
tanto e tão santo, só Jesus chorou! 
Bateu a porta com muito ruído,
mamãe gritou ele não deu ouvidos,
saiu correndo e nunca mais voltou. 

Você, Papai Noel, me transformou num homem
que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos. 
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre 
que sonha o ano inteiro com o Natal. 

Meu pobre pai doente, mal vestido, 
para não me ver assim desiludido, 
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo, 
foi longe pra trazer-me um lenitivo, 
roubando o trem do filho do patrão. 

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia. 
Foi definhando, até que Deus, um dia, 
entrou na cela e o libertou pro céu.

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